(meus alunos EJA)
Outro aspecto marcante da infância é apontado na fala de outra aluna minha:
Carol K. 11 anos “Infância para mim é a melhor fase da vida, imagina ser inocente, não ter maldade, ter liberdade, falar a verdade, expressar vontades. É uma fase da vida em que sonhamos, acreditamos com fé, acreditamos no lúdico, e não questionamos, se falarem que o Papai Noel vem, vamos esperar com certeza a noite toda, e mesmo que nós não o vejamos, nós acreditamos que ele esteve ali e deixou o nosso tão esperado presente.”
Fantasia, outro ingrediente mágico para as crianças. Piaget define essa fase como período simbólico.
Escrevendo um artigo sobre a teoria básica de JEAN PIAGET, JOSÉ LUIZ PAIVA BELLO, no site Pedagogia em Foco, coloca que:
“Neste período surge a função semiótica que permite o surgimento da linguagem, do desenho, da imitação, da dramatização, etc... Podendo criar imagens mentais na ausência do objeto ou da ação é o período da fantasia, do faz de conta, do jogo simbólico. Com a capacidade de formar imagens mentais pode transformar o objeto numa satisfação de seu prazer (uma caixa de fósforos pode virar um carrinho, por exemplo). É também o período em que o indivíduo “dá alma” (animismo) aos objetos” (“o carro do papai foi dormir na garagem”).
Essa ideia repete-se na concepção de outros alunos nos mostrando o quanto tem consciência de que a imaginação, o faz-de-conta é inerente ao desenvolvimento infantil.
Bicanca N. 16 anos "A infância é a melhor fase da vida. É nesta fase que fazemos muitas descobertas, que sonhamos, acordamos e continuamos a viver fantasias. É ser herói e bandido o mesmo dia. É poder brincar sem ter hora marcada; correr, rir, pular até cansar. É ser livre para poder sonhar; é ter amigos e viver num mundo que é só seu; é viver sem preocupações. Infância é à base do resto de nossa vida, é onde aprendemos valores que vão formar nosso caráter; É quando fazemos escolhas. A infância é um mundo maravilhoso onde não deveríamos achar o portão de saída, ou seja, não deveria ter idade para acabar".
Ao longo dos textos das alunas vejo surgir diferentes ideias que vão se complementando e trazendo a tona às várias faces da infância que na verdade são indissociáveis, entrelaçando-se entre si e criando, no conjunto, a partir do pensamento e olhar de cada um, a concepção que muitos teóricos apontam em seus estudos em relação a esta etapa do desenvolvimento. Nesse sentido, além das características são lembrados também os referenciais que contribuem não só para a vivência tranquila do “ser criança”, mas também para formar bases seguras para a vivência das próximas fases da vida. Sendo que, as referências familiares têm seus vínculos no afeto, no respeito, no exemplo positivo, no acolhimento, sejam esses elementos oferecidos por pais biológicos ou por aqueles que desempenham esse papel, avós, tios, padrinhos, irmãos ou mesmo pais adotivos. A qualidade dessas relações podem vir a ser o espelho, com reflexos positivos ou negativos na vida da criança, considerando, no entanto, que nada é definitivo e que diversos e inesperados são os fatores que interferem em nossas atitudes durante toda a vida mesmo quando se tem uma formação familiar adequada, equilibrada e repleta de afeto. Falo de eventos como perdas, traumas, mudanças bruscas de vida, de rotina, solidão, doenças, casamento, filhos, entre outros. Encontrei outra referência de uma aluna do EJA, que aponta a responsabilidade e influência não só da família, mas do ambiente no desenvolvimento infantil. Fazendo essa reflexão escolhi uma das citações das minhas alunas adultas que retrata um pouco de tudo que foi escrito até aqui, mas com uma visão adulta, menos sonhadora e mais real, que me emocionou porque mostra o quanto é forte o abandono de nossas crianças, o quanto está sendo distorcida, deturpada, robotizada, industrializada, esquecida a fase do brincar e o quanto nós educadores necessitamos repensar nossas ações, nossa postura e nosso trabalho junto aos pais e responsáveis.
Judite C. 38 anos "Vivemos numa crise social onde, lamentavelmente os referenciais familiares sólidos estão trincados, ou seja, percebe-se uma fragilidade crescente nas relações e estrutura familiar. As crianças, muitas vezes, sofrem as consequências da insatisfação e das crises dos adultos. Acredito que esse seja o principal motivo pelo qual as pessoas tenham dificuldade de pensar uma concepção de infância desvinculada das atrocidades que presenciamos na atualidade: violência, abandono, negligência, maus tratos".
Avaliando essas formas de pensar, entender e definir a infância, espero, com este texto, possa contribuir para que educadores como eu, pais e leitores observem, falem, olhem, escutem nossas crianças, superando a visão “ adultocêntrica” que nos venda os olhos para a cultura infantil, nos impedindo não só de aprender com o imaginário das crianças, principalmente impedindo que esse imaginário se manifeste de forma a permitir um crescimento emocional saudável, sem queimar etapas, fazendo com que elas busquem significado para o mundo que as rodeia e no qual estão inseridas através de suas próprias descobertas e da evolução natural de seus conceitos sem assassinar seus sonhos com nosso desencantamento de adulto.